São Paulo
Entre o histórico e o cosmopolita
Por Zélia Rodrigues
Iniciamos esse esperançoso 2021 homenageando a aniversariante do mês, a cidade de São Paulo. Com os seus 467 anos de existência completados no último 25 de janeiro, a velha Vila de São Paulo de Piratininga se transformou numa metrópole de importância mundial, sendo hoje a maior cidade da América do Sul e uma das maiores do mundo. Posso ser considerada uma paulistana da gema, daquelas que detesta o apelido de “Sampa” dado à cidade e que ficou famoso por causa da música de mesmo nome do Caetano Veloso. Bom, se o Caetano quis fazer uma homenagem a São Paulo mandou muito mal, porque de mau gosto é a música e não a cidade. Particularmente, prefiro a São Paulo cantada nos sambas dos Demônios da Garoa ou a São Paulo do rock do Ira!. Também sou a típica paulistana com pais baianos, marido italiano e amigos de diversos cantos do Brasil e do mundo. Essa mistureba de gente e de culturas é a maior e melhor representação de São Paulo. E em meio aos concretos de São Paulo, eu não vejo dureza, eu vejo flores. Eu vejo flores em você São Paulo!
(Re)descobrindo o Centro Histórico
São Paulo foi fundada em 25 de janeiro de 1554, quando o Padre Manoel de Paiva, com a ajuda do então sacristão José de Anchieta, celebrou a primeira missa no Pateo do Collegio. Localizado no centro da cidade, o Pateo do Collegio foi construído pelos padres jesuítas da Companhia de Jesus para catequizar os indígenas no Planalto de Piratininga, como o local era conhecido na época. Com a expulsão dos jesuítas das terras portuguesas promovida pelo marquês de Pombal em 1759, o Pateo do Collegio foi confiscado pelo Governo, tendo servido como palácio dos Governadores e sede do centro cívico e cultural da cidade, durante o período de 1765 a 1912. A construção original de pau a pique foi sendo ampliada e modificada ao longo dos anos, sempre com a utilização de novas técnicas de construção, até vir a ser totalmente demolida no século XX. Embalado pelas comemorações do IV Centenário de São Paulo, o Governo devolveu o terreno para os jesuítas e iniciou-se a reconstrução do atual prédio, que durou de 1954 a 1979, e foi inspirada na construção original seiscentista, tendo mantido fragmentos de uma parede remanescente de 1585. Atualmente, o local abriga o Museu Anchieta, que reúne um acervo com cerca de 700 objetos de arte sacra e da história do antigo colégio dos jesuítas e da cidade de São Paulo no século XVI, contando com iconografia inédita, mapas e uma bela maquete do edifício. A melhor forma de encerrar a visita a um dos prédios históricos mais importantes de São Paulo é saborear calmamente algumas das delícias do Café do Pateo no tranquilo e belo jardim da construção enquanto a megalópole, logo abaixo, mantém a sua movimentação frenética. Sentindo a paz que o local proporciona me pus a tentar imaginar a velha Vila de São Paulo de Piratininga no seu longínquo 1554, quando não se tinha nada além do rio Tamanduateí e uma imensidão de terra inexplorada.
O Pateo do Collegio está localizado entre outros dois importantes monumentos histórico-religiosos da cidade, de um lado a Catedral da Sé e do lado oposto o Mosteiro de São Bento. A Catedral da Sé foi construída em estilo neogótico por iniciativa de Dom Duarte Leopoldo e Silva, o primeiro arcebispo de São Paulo. A obra iniciou-se em 1913, mas levou mais de 50 anos até a sua conclusão. Porém, mesmo sem as duas grandes torres da fachada, a catedral foi inaugurada em 1954 por ocasião das comemorações do IV Centenário da Cidade de São Paulo. O responsável pela empreitada foi o arquiteto alemão Maximilian Emil Hehl, que privilegiou o estilo neogótico, mas também reuniu elementos de outros estilos arquitetônicos, como a grande cúpula renascentista. O interior da catedral conta com mosaicos, esculturas e mobília italianos, com destaque para o belo órgão de tubos construído em Milão. Na cripta, localizada debaixo do altar mor, estão sepultadas importantes figuras da história da fundação da cidade, como os padres jesuítas Manuel da Nóbrega e José de Anchieta, além do cacique Tibiriçá, um dos principais expoentes da fundação de São Paulo. A poucos passos da catedral, na Praça da Sé, está localizado o marco zero de São Paulo.
Do lado oposto à Catedral está o Mosteiro de São Bento. Construído em estilo neorromânico pelo arquiteto alemão Richard Berndl no início do século XX, entre 1910 e 1922, o atual Mosteiro abriga cerca de 45 monges beneditinos que se dedicam exclusivamente à tradição “ora e trabalha e leia”. Além da Basílica Abacial dedicada à Nossa Senhora da Assunção, o edifício também abriga o Colégio e a Faculdade de São Bento. Os monges beneditinos chegaram à antiga Vila de São Paulo de Piratininga em 1598, quando o frei Mauro Teixeira deixou São Vicente para instalar a primeira igreja dedicada a São Bento, com recursos doados pelo então capitão-mor Jorge Correia, no mesmo terreno onde estão instalados até os dias de hoje. Graças a uma vultosa doação do bandeirante Fernão Dias, as instalações sofreram a primeira grande ampliação, feita na segunda metade do século XVII. O interior do mosteiro conta com os belíssimos murais pintados pelo monge holandês Dom Adelbert Gresnicht, além das esculturas dos 12 apóstolos que decoram a nave da basílica, feitas pelo escultor belga Adrien Henri Vital van Emelen. Na cripta da igreja estão sepultados o bandeirante Fernão Dias e seus familiares. Uma ótima ocasião para admirar a beleza do interior da basílica é participando de uma das missas com canto gregoriano, que costuma lotar aos domingos. E para completar a visita a um dos monumentos mais importantes da cidade, vale a pena levar para casa algumas das delícias feitas de forma artesanal pelos monges e vendida na padaria do mosteiro, como os pães, bolos, geleias e cervejas, cujas receitas tradicionais são segredos muito bem guardados. Impressionante ver como mesmo instalado nas proximidades da Ladeira do Porto Geral e da Rua 25 de Março, o coração do movimentadíssimo comércio popular de São Paulo, o Mosteiro permanece como um oásis de tranquilidade em meio ao caos da região.
Saindo do mosteiro em direção à Praça Ramos de Azevedo, me senti nostálgica ao caminhar pela Rua Líbero Badaró, onde trabalhei em meados dos anos de 1990. Se passaram quase 30 anos, mas me lembro de quantas vezes caminhei apressada por aquela rua, sem prestar muita atenção no meu entorno. Dessa vez a caminhada foi lenta, podendo observar os velhos prédios comerciais do local, o Vale do Anhangabaú logo abaixo mais florido e bonito do que o velho vale de 30 anos atrás. O Viaduto do Chá continua com alguns ambulantes, mas me sinto mais tranquila ao atravessá-lo e me permito admirar o velho centro da cidade, com o prédio do Banespa, que agora é Farol Santander, mas os mais velhos como eu continuam a chamar de Banespa, a antiga loja do Mappin que agora é Casas Bahia, o prédio da velha Light que agora é shopping, o prédio Martinelli que ganhou nova vida com os eventos organizados em seu rooftop. Quantas mudanças! Mas a capacidade de transformação de São Paulo remonta à sua origem. Fundada como um sítio, em poucos anos se tornou uma vila e não parou mais de crescer, até chegar ao posto de uma das maiores cidades do mundo. Falta a São Paulo a realização de um efetivo projeto de revitalização do centro histórico, para dar nova perspectiva ao local, pois enquanto nas grandes cidades europeias o centro histórico é a parte mais importante da cidade, em São Paulo é um dos locais mais degradados, o que acaba por afugentar os visitantes e os próprios paulistanos.
Enfim, não poderíamos nos despedir do centro histórico sem uma visita ao Theatro Municipal, o prédio mais belo e imponente da região. O teatro foi construído no início do século XX pelos arquitetos italianos Claudio e Domiziano Rossi em conjunto com Francisco de Paula Ramos de Azevedo, este último um dos maiores arquitetos brasileiros da época e que dá nome à praça onde está sediado o teatro. Os arquitetos tiveram como inspiração a Ópera de Paris para o projeto do Theatro Municipal, combinando diferentes estilos arquitetônicos, como o Renascentista, o Barroco e o Art Nouveau. Inaugurado em 1911, o Theatro Municipal já recebeu grandes nomes da música lírica internacional, como Enrico Caruso, Maria Callas e o nosso brasileiro Heitor Villa-Lobos. Embora tenha sediado centenas de espetáculos em seu mais de um século de existência, o teatro entrou para a história por ser o palco da Semana de Arte Moderna de 1922, o marco do Modernismo no Brasil. Mesmo após diversas reformas, o interior do teatro preserva a elegância do século passado, destacando-se a imponente escadaria do hall de entrada. Os detalhes dourados em contraste com o veludo vermelho presente nas poltronas e cortinas nos remetem ao início do século XX, quando o teatro foi inaugurado para atender à demanda das famílias abastadas de São Paulo, cujas riquezas provinham da produção cafeeira e do início do processo de industrialização de São Paulo, desejosas de uma casa de ópera à altura de suas riquezas e no nível dos teatros europeus. A melhor forma para apreciar os belos detalhes da decoração do teatro é através de uma de suas visitas guiadas. E agora também é possível conhecer o subsolo do teatro, que foi recentemente estruturado para receber o Bar dos Arcos. Vale muito a pena experimentar os maravilhosos coquetéis do Bar enquanto se aprecia os arcos históricos do teatro, num perfeito clima de simbiose entre a São Paulo cosmopolita e a São Paulo histórica.
Tem verde, sim senhor!
Quando se pensa em São Paulo, é natural que venha em mente muito concreto. Pode ser o concreto deteriorado do centro histórico da cidade, ou o concreto moderno e vibrante da Faria Lima, mas é sempre concreto. Em meio a todo esse concreto, também tem muito verde na cidade. Inúmeras praças pequenas espalhadas por essa enorme cidade já dão um alento aos moradores vizinhos, mas os verdadeiros oásis verdes da cidade são os seus grandes parques. E como tudo em São Paulo é superlativo, abrigamos um dos maiores parques urbanos do país.
Entre as avenidas Brigadeiro Luís Antônio e 23 de Maio, duas das avenidas mais movimentadas de São Paulo, fica o Parque do Ibirapuera. O parque foi inaugurado em 1954, em meio às comemorações do IV Centenário de São Paulo, com um inovativo projeto capitaneado pelo arquiteto Oscar Niemeyer e pelo paisagista Augusto Teixeira Mendes. Em uma área de 158 hectares, o Ibirapuera oferece atividades para todos os gostos. Tem a turma da caminhada, tem os apressadinhos da corrida, mas também tem os relaxados da yoga. Sem contar as várias ciclofaixas para os amantes das bikes. Tem os grupos que enchem as quadras para o joguinho de basquete, de vôlei e de futebol. Tem os grupos de idosos e dos jovens. Tem as famílias com crianças e as famílias com cachorros, ou ambas. Também tem o pessoal cult que lota as exposições da Bienal, da Oca, do Museu Afro Brasil e do Museu de Arte Moderna (MAM). Já o Planetário tem o poder de nos transportar pela galáxia, através de suas interessantes e didáticas sessões diárias. Jamais esqueci a primeira vez em que fui ao Planetário e de como fiquei embasbacada ao me dar conta da grandiosidade do universo. Enfim, o Ibirapuera tem tantas opões de lazer e cultura que fica impossível não agradar a todos.
Em frente ao Portão 9 do Ibirapuera, na Praça Armando de Sales Oliveira, ficam o Monumento às Bandeiras e o Obelisco, dois dos mais importantes monumentos da cidade. O Monumento às Bandeiras é uma homenagem da cidade aos Bandeirantes, os paulistas dos séculos XVII e XVIII que desbravando os sertões foram os responsáveis pelo desenvolvimento do país na época. A obra foi realizada pelo escultor Victor Brecheret, um dos expoentes da Semana de Arte Moderna de 1922, e inaugurada em conjunto com o parque durante as comemorações do IV Centenário de São Paulo. Na parte frontal da obra, o historiador Affonso Taunay desenhou um mapa do Brasil com os percursos que os bandeirantes fizeram pelo interior do país. A obra retrata portugueses, índios, mamelucos e negros, inclusive uma índia com um bebê no colo. À noite, a vista do monumento iluminado, assim como a fonte do lago do parque do outro lado, fazem dessa parte da cidade um espetáculo a ser apreciado. Já o Obelisco é uma homenagem aos Heróis da Revolução Constitucionalista de 1932. Com 72 metros de altura, o Obelisco é o maior monumento da cidade e foi construído pelo escultor ítalo-brasileiro Galileo Ugo Emendabili, entre 1947 e 1970. Estão sepultados no mausoléu do obelisco centenas de combatentes da Revolução de 32, dentre os quais os estudantes Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, conhecidos pelo acrônimo M.M.D.C., mortos no dia 23 de maio de 1932 e considerados mártires do movimento. Tanto o Obelisco quanto o Monumento às Bandeiras são abertos à visitação pública e são ótimas formas de ver com novos olhos os heróis paulistas de diferentes séculos.
Embora o Ibirapuera seja o mais icônico da cidade de São Paulo, desde a sua inauguração em 1994, o Parque Villa Lobos tem se tornado outro queridinho dos paulistanos e viajantes em visita pela cidade. Em meio aos modernos prédios dos bairros de Pinheiros e Itaim Bibi, o parque é um refúgio para um momento de descanso do frenesi da cidade. Fazendo jus à homenagem ao grande compositor Heitor Villa Lobos, o parque projetado pelo arquiteto Decio Tozzi uniu o verde a eventos culturais e musicais, inclusive com equipamentos destinados ao conhecimento da música. Diversos eventos musicais já foram realizado na ilha musical do parque, cujo anfiteatro aberto tem capacidade para 450 pessoas. Merecem destaque o belo Orquidário Ruth Cardoso e o complexo de tênis que conta com 7 quadras e tem capacidade para receber 4.500 espectadores, sendo a sede do torneio de tênis Aberto de São Paulo. O Villa Lobos também caiu no gosto das famílias com filhos de 4 patas, que além da estrutura comum do parque, contam com uma área destinada aos cães, com jogos e espaço para descanso, onde os bichinhos podem ficar livres e se esbaldarem até cansarem.
Avenida Paulista
Em meio a toda a extensão de São Paulo, os 3 quilômetros da Avenida Paulista é um bom resumo da cidade, pois nenhuma via urbana representa tão bem essa cidade como a Paulista. Palco de manifestações políticas, sociais e culturais, a Paulista é o coração da cidade e um de seus principais cartões-postais.
Vendo a pulsante Avenida Paulista de hoje, é difícil imaginar que por séculos aquela área não passava de um grande terreno baldio. Apenas no final do século XIX é que os paulistanos começaram a ver potencial residencial na área da Paulista, graças à sua proximidade com Higienópolis e Campos Elísios, os bairros mais desenvolvidos da época. Então, por iniciativa do engenheiro Joaquim Eugênio de Lima (homenageado com uma das alamedas que cruza a Paulista), a Avenida Paulista foi oficialmente inaugurada em 8 de dezembro de 1891. Com o boom da produção cafeeira, os chamados barões do café começaram a construir seus belos casarões na avenida, mas infelizmente poucos restaram de pé após a transformação pela qual a Paulista passou durante as décadas de 1960 e 1970, quando a avenida passou a abrigar os modernos prédios comerciais da época. Dentre os casarões preservados está a antiga residência que Ramos de Azevedo construiu para a sua filha e hoje abriga a Casa das Rosas e a bela Casa dos Uvaias que foi agência do Bank Boston e hoje abriga uma loja do Mc Donald’s. Outro casarão que sobreviveu às transformações da Paulista é a antiga residência do coronel Joaquim Franco de Melo, localizado ao lado do Parque Mário Covas – antiga Vila Fortunata. Uma disputa judicial que durou décadas levaram esse casarão de 1905 a uma grande deterioração, mas com a determinação recente de que a propriedade pertence ao Governo de São Paulo, espera-se que em breve a restauração desse belo exemplar arquitetônico do início da primeira fase residencial da Paulista seja iniciado para presentear os paulistanos e visitantes com mais uma peça da fantástica história da avenida mais paulista da cidade. Seria ótimo se esse casarão tão importante para a cidade fosse restaurado tal qual na sua época, para que os visitantes de hoje pudessem ver como se vivia na Paulista do início do século XX, como era a vontade do herdeiro que chegou a habitar o palacete em meio à disputa judicial.
A fase residencial da Paulista deu lugar à fase comercial e financeira, quando a avenida passou a atrair a sede de grandes empresas e bancos, a partir da década de 1960. Embora a Paulista tenha perdido parte de sua pujança como principal centro econômico da cidade para a Faria Lima, ela contina abrigando algumas importantes empresas e bancos. Mas, assim como a cidade, a Paulista vive em constante mutação, vindo a se transformar num dos principais centros de entretenimento e cultura da cidade. Ao longo de sua extensão estão presentes importantes museus e centros culturais, como a charmosa e Casa das Rosas, o Centro Cultura Itaú, o Sesc, o Museu de Arte de São Paulo – Masp e o novíssimo Japan House. Ao observar a diversidade das pessoas que caminham pela Paulista temos uma ideia do que é São Paulo, com essa harmonia de grupos de pessoas dos mais diversos, com essa reunião de paulistanos de diferentes partes do Brasil e do mundo. Assim é São Paulo, a cidade que recebe todos como se seus filhos fossem. A cidade que nunca para de se reinventar, a cidade que nunca dorme, mas sempre sonha e realiza.