São Miguel dos Milagres
Um paraíso (quase) intocado

Por Zélia Rodrigues

Logo no início da nossa relação, eu e meu marido criamos a tradição familiar de festejar a chegada de cada Ano Novo em um lugar diferente. Por alguns anos buscávamos as festas de Ano Novo mais bonitas ao redor do mundo. Às vezes a festejávamos com calor escaldante; outras com um frio congelante. Mas nunca faltaram nessas festas três ingredientes fundamentais: queima de fogos de artifício, espumante de altíssima qualidade e muita animação. Essa pequena tradição familiar se manteve até a chegada da nossa primeira filha de 4 patas, cujo medo do barulho de fogos e confusão em geral dessa época do ano, alterou a nossa tradição, nos mantendo em casa na maior e mais animada festa do ano. No início confesso que senti falta das nossas comemorações pelo mundo, mas com o tempo descobrimos formas de animar a nossa festa privé no aconchego e segurança do nosso lar. Depois de alguns anos chegou à família a nova integrante de 4 patas, trazendo um pouco mais de bagunça para a nossa festa, além de termos desenvolvido formas mais animadas para festejar a data. É verdade que abdicamos dos fogos de artifício, mas os espumantes e a animação continuam a todo vapor em nossas comemorações caseiras.

Assim como eu, milhões de pessoas no mundo aguardam ansiosas o fim do ano para festejar a chegada do Ano Novo em algum lugar bacana, com fogos de artifício, música e muita animação. Brasileiros, em particular, adora aglomerar! Os milhões de pessoas que se reúnem nas grandes festas da virada do ano ao redor do Brasil é a demonstração de que adoramos uma boa festa. Mas como manter essa animação em um fim de ano atípico como esse de 2020? De repente aglomerar passou a ser proibido – e não recomendável. Dez anos atrás eu ficaria muito frustrada se não pudesse festejar o Ano Novo com muita festa e aglomeração, mas depois de quatro anos festejando de forma reservada, descobri que somos nós os maiores responsáveis por animar a festa. É bem verdade que um ano difícil como esse também requer uma escapada, uma fuga para deixar de lado os problemas do ano que se passou e recarregar as energias positivas para o ano que está chegando. Então, que tal deixar a aglomeração de lado e dar uma escapadinha para um lugar especial?

São Miguel dos Milagres

O pequeno vilarejo alagoano fica a apenas 100 quilômetros da capital Maceió, o que garante fácil e rápido acesso dos visitantes que chegam pelo aeroporto do estado. Com cerca de 8 mil habitantes distribuídos em uma área de quase 77 mil quilômetros quadrados, São Miguel dos Milagres é perfeito para esse momento de não aglomeração.

A origem do nome da cidadezinha remonta à história local de um pescador que encontra na praia uma imagem em madeira de São Miguel Arcanjo toda suja de musgos e algas marinhas. O pescador, então, leva a imagem para a casa e começa a limpá-la, ao final do processo de limpeza, o pescador percebe que uma ferida aberta que o afligira por muito tempo estava totalmente cicatrizada. Essa notícia logo se espalhou e o local passou a receber uma horda de pessoas em busca de novos milagres que curassem as suas doenças. Os mais céticos até podem pôr em check a lenda local, mas jamais a afirmação de que esse lugar merece uma visita.

Os barquinhos simples dos pescadores locais ainda estão por lá, dando um charme especial ao cenário cinematográfico do vilarejo. Se soma à beleza da natureza local, a hospitalidade e simpatia de seu povo – nativo ou não. Muitos estrangeiros, especialmente europeus, vieram visitar a região e se apaixonaram ao ponto de largar suas vidas no velho continente e migrarem para esse pequeno paraíso, onde é sempre verão e a vida passa assim devagar, beeeem devagarinho…  

Com o investimento estrangeiro e as melhorias de infraestrutura atraindo cada vez mais visitantes, a pequena vila foi se modernizando. As casinhas coloridas do vilarejo continuam a compor a urbanística de São Miguel, mas já começam a ter ofertas de casas modernas e luxuosas ao longo da costa dos milagres para a temporada. Se os visitantes de 20 anos atrás tinham que se contentar com a hospedagem improvisada nas casas dos moradores locais, os visitantes de hoje podem escolher entre pequenas pousadas familiares e pousadas de luxo, com muito conforto e diferentes mimos, prontas para satisfazerem os hóspedes mais exigentes.  

São Miguel dos Milagres tem conseguido se modernizar sem perder a característica de um típico vilarejo de pescadores. As acomodações têm ficado mais requintadas sem perder o charme de pousadas à beira do mar. E os moradores têm aprendido a receber um público exigente sem abrir mão da simpatia tão cara a esse povo. Talvez seja esse o verdadeiro milagre desse pequeno vilarejo da costa alagoana.

Praias Paradisíacas

São Miguel dos Milagres conta com praias que parecem mesmo um milagre da natureza. Com praias quase desertas decoradas por imponentes coqueirais e banhadas por águas mornas e tranquilas, o lugar é sinônimo de paraíso e um constante convite ao dolce far niente.

São Miguel dos Milagres é parte da Rota Ecológica de Alagoas, que contempla as praias mais paradisíacas da região entre os municípios de Passo de Camaragibe e Porto da Rua, além de São Miguel dos Milagres, claro. Pegando a estrada AL-101 que liga essa parte da costa alagoana, se tem acesso às praias mais bonitas da região, com o mar calmo em diferentes tons de verde a banhar as longas faixas de areia clara. Difícil escolher uma praia preferida em meio a tanta beleza, mas a Praia do Patacho, com a sombra de seus coqueiros e um mar esverdeado de tirar o fôlego, certamente está entre as mais bonitas não apenas de Alagoas, mas de todo o país.

As praias de Marceneiro, São Miguel dos Milagres, Riacho, Porto da Rua, Toque e Lages também compõem a Rota Ecológica, tendo todas em comum a cor deslumbrante do mar, as longas e belas faixas de areia e os coqueirais que dão o toque final na paisagem digna de comercial do chocolate prestígio. Evitando as datas mais muvucadas é possível até ter a sensação de estar em uma praia deserta, cercada apenas pela natureza exuberante que ali não economizou no quesito beleza.

Embora largatear na areia fofa entre um e outro banho de mar seja a melhor forma de passar o tempo nesse paraíso alagoano, a região que é parte da costa dos corais de Alagoas, conta com diversas piscinas naturais, formadas na maré baixa em meio aos arrecifes. O passeio de jangada até as estupendas piscinas naturais formadas pelos corais da região é uma excelente forma de desfrutar dessas maravilhas. As piscinas naturais de águas cristalinas em diferentes tons de verde e todas cercadas por corais é uma das mais belas atrações da Rota Ecológica. O tempo parece parar enquanto se flutua nessas águas cristalinas, observando o curso dos corais e os peixinhos que passam ao nosso redor com a maior calma do mundo. Eu seria capaz de ficar horas e horas por ali, mas como tudo o que é bom dura pouco, o passeio tem hora para acabar. De volta à praia, a vida dura continua com a intensa rotina de largatear nas areias claras, se refrescar com uma água de coco colhido por ali mesmo e banhos naquele mar exuberante de águas esverdeadas.

No fim da tarde, deitada na rede da varanda vou observando o ritmo lento de São Miguel dos Milagres. O barulho do mar logo em frente é a trilha sonora desse meu momento introspectivo e contemplativo. O leve balanço da rede é uma verdadeira terapia relaxante. O livro que levei para ler acabou ficando em segundo plano, esquecido na mesinha do lado. Mentalmente, vou fazendo o meu balanço do ano. Um ano duro, difícil, com alguns momentos desesperadores, mas que está chegando ao seu fim com um certo otimismo. O que nos reservará 2021? Isso só o tempo nos dirá, mas me deixo levar pela serenidade de São Miguel dos Milagres para aguardar um ano positivo, intenso sim, mas de acontecimentos bons e felizes. O balanço da rede me embala, o som do mar me acalma e assim, de forma lenta e relaxante, vou me despedindo de 2020 e de São Miguel dos Milagres.