Sextou com SuoViaggio: Entrevista com a Luísa Ferreira

Entrevista com a Luísa Ferreira

Em clima de carnaval, conversamos com a blogueira pernambucana Luísa Ferreira, autora do livro Guia de viagens pra dentro e pra fora e fundadora do blog Janelas Abertas

A poucos dias do Carnaval, a redação de SuoViaggio está em ritmo de festa, é verdade. Mas se tem uma festa que é democrática é justamente o carnaval! Tem espaço para todos os tipos de foliões, inclusive para os foliões do Bloco do Pijama. Se a ideia desse carnaval é aderir ao Bloco do Pijama, nada mais justo do que procurar uma boa companhia. E tem companhia melhor para um feriadão tranquilo do que um bom livro? E se esse livro é sobre viagens a coisa fica ainda melhor!

Tivemos o prazer de conversar com a pernambucana Luísa Ferreira, 33 anos, fundadora do Blog Janelas Abertas e autora do livro “Guia de viagens pra dentro e pra fora”, publicado em 2022. Dividimos com vocês a íntegra da entrevista que fiz com a Luísa.

  1. Luísa, você publicou o Guia de viagens pra dentro e pra fora em janeiro de 2022, o seu primeiro livro. O que te motivou a escrever esse livro?

Como jornalista e apaixonada por literatura, escrever sempre foi uma das minhas maiores alegrias, então foi natural sentir vontade de compartilhar meus aprendizados e valores em um livro que focasse em “como viajar de forma transformadora e responsável” (subtítulo da publicação).

Já li muitos livros de viagem e sentia que faltava algo como o que propus: uma publicação que trouxesse dicas práticas e relatos de experiências de viagem, mas também provocasse reflexões com embasamento teórico, incluindo questões de autoconhecimento e responsabilidade social e ambiental.

Também queria que fosse uma leitura leve e descontraída e que o livro tivesse um projeto gráfico divertido, com pequenas intervenções e espaços para a pessoa leitora completar e se sentir escrevendo junto comigo.

Em 2015, quando meu blog Janelas Abertas (que deu origem ao livro) ainda tinha apenas três anos, comecei a reunir alguns textos dos meus diários de viagem, do próprio blog e de cursos de escrita que fui fazendo com o passar do tempo.

Durante a pandemia, quando vimos o mundo gritar que “do jeito que está, não dá para continuar”, me senti ainda mais motivada a organizar minhas reflexões em livro, apesar do desafio de falar de viagens numa época em que mal podia ir na esquina.

  1. Você diz que escreveu o livro que gostaria de ter lido aos seus 19 anos, quando começou a viajar. Então, esse livro é voltado apenas para o público jovem?

Não! Digo que pensei na Luísa do passado em relação à experiência com viagens. O texto é de fácil compreensão e tem elementos lúdicos, mas não é pensado especificamente para um público jovem.

Minha ideia era reunir as reflexões e dicas que os anos de estrada me trouxeram, e para isso minha “persona ideal” era alguém que ainda não viajou tanto, ou que está planejando uma grande viagem (sabático, mochilão, intercâmbio, nomadismo), mas não me limitei a isso.

Como muitos dos meus leitores são pessoas que já acompanhavam meu trabalho no blog e no Instagram, acredito que a maioria do público até hoje tem mais de 30 anos, como eu, e muitos já viajam bastante.

Fico super feliz em escutar de várias pessoas que têm décadas de experiência em viagens que o livro trouxe bons insights.

  1. E como foi essa “viagem” de escrever o livro?
Luísa Ferreira: Guia de Viagens pra dentro e pra fora
Luísa Ferreira: Guia de Viagens pra dentro e pra fora

Foi bem gostosa e desafiadora! Eu me interesso pelo mercado editorial, então mergulhei fundo nesse universo, fazendo cursos e lendo muito a respeito de escrita, edição e publicação.

Consegui separar uma reserva financeira para passar alguns meses mais focada no livro, então foi maravilhoso poder dedicar boa parte dos meus dias a um sonho.

Amei rever minhas anotações antigas, relembrar minhas viagens e aprendizados, conversar com amigos sobre alguns temas do livro, ler muito sobre sociologia do turismo…

 

  1. Imagino que você também tenha enfrentado muitos desafios nessa travessia, então gostaria que nos contasse quais foram os maiores desafios que você enfrentou nesse seu projeto de escrever e publicar um livro de forma independente no Brasil.

Decidi fazer toda a produção editorial por conta própria, produzir livros físicos em grande tiragem e me ocupar também da divulgação e das vendas, e realmente não foi nada fácil. São muitas tarefas diferentes para cumprir, muitas decisões a tomar e muito tempo de dedicação. Felizmente eu já estava ciente disso e contei com uma boa rede de apoio para desabafar e pedir opiniões, mas pode ser bem cansativo intelectualmente e emocionalmente.

Além disso, eu lancei o livro por financiamento coletivo (crowdfunding), já que não tinha capital suficiente para investir na publicação. A campanha funcionou como uma pré-venda e deu super certo: tive mais de 300 pessoas colaborando e arrecadei um pouco mais de R$ 30 mil. Mas fazer uma campanha assim sem ser uma pessoa famosa ou ter apadrinhamento de alguém super influente dá muito trabalho. Tive que planejar tudo muito bem e passei meses trabalhando demais, com pouquíssimo descanso.

A verdade é que livros não são produtos muito vantajosos comercialmente. Para fazer um trabalho de qualidade e remunerar de forma justa todos os profissionais envolvidos, como leitora crítica, revisora, capista e diagramadora, além dos custos com a gráfica, embalagens, envios e divulgação, os custos ficam altos.

Ao mesmo tempo, considero que não são produtos tão valorizados no Brasil. Se eu tivesse transformado o mesmo conteúdo em um curso online, teria gastado muito menos e poderia cobrar umas quatro vezes mais. Mas para mim, que sou apaixonada por livros, valeu muito a pena!

E felizmente a recepção tem sido ótima e as vendas continuam acontecendo de forma frequente um ano depois do lançamento, mesmo sem investir quase nada financeiramente na divulgação pós-campanha.

  1. E você poderia nos dar algum spoiler do Guia de viagens pra dentro e pra fora?

Vou responder isso usando um trecho do livro para responder à pergunta 8, tá? 😉

  1. Indo além do livro, qual foi a experiência mais transformadora que você já teve em uma viagem?

Eu acredito que a transformação mais potente vem de um acúmulo de vivências, e não de um episódio isolado.

Fazer mestrado na Espanha motivada a dizer “sim” para todas as oportunidades, conviver intensamente com jornalistas das Américas, África e Ásia num intercâmbio na Finlândia, fazer estágio em Budapeste trabalhando com pessoas muito diferentes de mim, conviver com uma família ribeirinha na Amazônia, mochilar pela Índia com um amigo indiano e voluntariar num acampamento com 2.500 jovens por duas semanas no interior da Alemanha foram algumas das experiências mais transformadoras.

Mas não é preciso ir tão longe: por exemplo, os dias que passei em Piranhas, no Sertão alagoano, também me marcaram muito, por toda a potência do Rio São Francisco, da cultura sertaneja e da história do cangaço.

  1. E como nem tudo são flores… quais foram os seus maiores perrengues em viagens?

Já fiquei doente diversas vezes viajando sozinha – felizmente nunca foi nada sério, mas sempre é chato.

Quando fiz intercâmbio em Sevilha, fui passar um feriadão em Barcelona e roubaram meu passaporte com visto de estudante e, além dos prejuízos financeiros, foi difícil resolver as burocracias para poder viajar fora da Espanha novamente.

No dia em que cheguei para um acampamento na Alemanha houve um atentado terrorista em Munique e as organizações responsáveis pelo acampamento eram consideradas possíveis alvos para novos atentados, então foram dias tensos para mim e para meus pais aqui no Brasil.

E, claro, já me perdi, gastei dinheiro à toa, me hospedei em lugar ruim, passei muito frio, dormi em aeroportos… Mas depois tudo vira história para contar!

  1. Muitas mulheres de diferentes idades adorariam viajar, mas deixam esse sonho de lado por falta de companhia. O que você, que já viajou e continua viajando muito sozinha, poderia dizer a essas mulheres que se sentem inseguras em viajar sozinhas?

Carta para quem tem medo de viajar só

A imensidão do mundo não é para assustar, mas inspirar. Se você tem medo de cair na estrada sem companhia e isso lhe incomoda, é exatamente isso que deve fazer: se jogar.

Viaje mesmo com um rebuliço no estômago, as mãos suando e as pessoas ao redor desaconselhando. Se uma parte de você diz que quer descortinar o mundo, escute-a. E acredite: depois do primeiro passo, as outras vozes tendem a se calar.

Viaje para a cidade vizinha, para o destino dos seus sonhos ou para um lugar do qual nunca ouviu falar. Vá de ônibus, carro, carona, avião, bicicleta ou moto. Nas férias, no feriadão, no final de semana ou depois de pedir demissão.

Viaje e guarde em casa os comentários de quem acha que o mundo inteiro é mais perigoso que nosso quintal. Agradeça a quem se preocupa por amor e cuidado e ignore quem se motiva por controle ou inveja.

Viaje com menos coisas do que pensa que precisa e mais expectativas do que consegue evitar. Sabendo que tudo bem esquecer uma blusa ou até a escova de dentes, mas disposição e bom humor não podem faltar.

Viaje sabendo que você pode se perder, se sentir só, sentir saudades. Que seu voo pode ser cancelado, você pode ficar doente, o destino pode não ser como esperado. Que tudo pode acontecer, mas enquanto você não fizer nada novo, nada vai acontecer.

Viaje por uns clichês bem verdadeiros: a vida é uma só, o tempo não para e você não precisa esperar ninguém para realizar sonhos. Porque você é uma pessoa livre, inteira e a melhor das companhias que poderá encontrar.

Viaje não para fugir de problemas, procurar o sentido da vida ou mostrar que foi. Mas para descobrir mais sobre si e entender que as respostas estão todas aí dentro, e não na boca de um guru ou numa fórmula mágica.

Viaje para se reapaixonar por você. Para praticar a autocompaixão quando sentir dificuldades e cometer erros. Para aprender a confiar nas suas escolhas, entender seus limites e se surpreender com o que é capaz.

Viaje porque só tem coragem quem tem medo. E o medo nos protege dos perigos, mas teima em ser superprotetor. Uma viagem solo é uma ótima oportunidade de deixar claro que ele pode lhe acompanhar, mas só como passageiro: o volante é seu.

Viaje só, nem que seja para decidir que isso não é sua praia. Porque você vai ganhar, no mínimo, a satisfação de não ter deixado o medo dominar. E, é claro, umas boas histórias para contar.

  1. E às vésperas do carnaval eu não poderia falar com uma recifense sem perguntar quais são as suas dicas para quem vai passar o carnaval na sua terra natal…  

Sou suspeita para falar, mas amo demais o Carnaval pernambucano, que é tradicional, democrático e uma expressão belíssima da cultura popular. Sempre indico se hospedar na Cidade Alta (Sítio Histórico) de Olinda, mas agora altura está difícil conseguir uma vaga para este ano. A experiência de ficar no meio da folia, vivendo a festa 24 horas por dia, é das coisas mais divertidas e emocionantes. Mas se não ficar lá, recomendo curtir Olinda durante o dia e, se tiver forças, ir no Recife Antigo ou nos polos descentralizados à noite. Pesquise também sobre a Noite dos Tambores Silenciosos, um evento muito especial.

Quando for para Olinda, saia já com um grupo e evite ficar tentando encontrar outras pessoas por lá, porque provavelmente vai ser estressante. Se tiver disposição para enfrentar multidões, procure os blocos mais tradicionais, como Elefante ou Eu Acho é Pouco, que são lindos; mas se quiser pegar leve, opte por outros menores, onde é mais fácil ficar perto da orquestra sem tanto aperto. Quando cansar, vale procurar um cantinho à sombra numa das ruas mais movimentadas para ficar só curtindo o movimento.

Se puder, escute os principais frevos e tente aprender as letras antes de ir -mas se não der, tudo bem, porque eles vão se repetir tantas vezes que você vai decorar lá. Ah, e o básico que vale para qualquer lugar: o celular deve ficar bem escondido na doleira ou numa pochete muito segura, e não deixe de caprichar no protetor solar, na hidratação e no bom humor.

  1. E para encerrarmos, qual a sua próxima viagem?

A próxima mesmo vai ser justamente para o Recife, para curtir o Carnaval e matar saudades, já que me mudei há pouco para o Rio de Janeiro. Depois disso, devo viajar um pouco pelo litoral fluminense e então vou para o Chile.

 

Essa coluna é dedicada a assuntos interessantes relacionados ao mundo das viagens e lifestyle. Aproveite para escrever seus comentários ou sugestões para mim em [email protected]. Até a próxima!

Fotos: Luisa Ferreira©