Desbravando a Sicília

A primeira viagem a gente nunca esquece… E se a primeira viagem foi para um dos lugares mais bonitos e receptivos do mundo, aí é que não se esquece mesmo!

A minha primeira viagem ao exterior foi ousada, muito ousada! Em meio a uma crise existencial que antecedia os meus 30 anos decidi que era hora de fazer algo por mim mesma, foi então que fiz a “maluquice” de largar o emprego e viajar sozinha para a Itália. Nunca tinha viajado para o exterior, mas mesmo assim aceitei o desafio de elaborar o meu próprio roteiro de viagem, pois como não queria um itinerário trivial e sempre tive horror a excursões em grupo com bandeirinhas e camisetas coloridas para se distinguir em meio a multidão, não tive outra opção senão organizar tudo por minha conta e risco.

Roteiro organizado, passagem comprada, reservas efetuadas, guias e revistas sobre a Itália em mãos, embarquei com destino a minha viagem! O meu roteiro era do sul ao norte da Itália, passando por quase todas as regiões do país.

Primeira parada: Palermo, capital da Sicília! O frio na barriga que me acompanhou durante todo o voo se transformou em desespero quando me dei conta de que a minha mala não tinha chegado a Palermo. Senti vontade de chorar, mas precisava registrar o extravio da bagagem valendo do meu italiano de um curso de 10 anos antes. Saí do aeroporto um tanto perdida e desiludida com a experiência negativa já nos meus primeiros minutos na Itália, mas o sol de primavera e a gentileza dos sicilianos me ajudaram a superar o choque e me encher de energia para desbravar a cidade! Palermo, ao longo de sua história, foi ocupada por gregos, romanos e bizantinos, que lhe renderam uma herança artística e arquitetônica diversa e harmoniosa.

O centro histórico de Palermo pode ser percorrido a pé em um dia. Em frente ao prédio da Prefeitura, na Piazza Pretoria, está localizada a Fontana Pretoria, uma das fontes mais bonitas da Itália. A fonte foi construída no séc. XVI pelo escultor florentino Francesco Camilliani para a vila de Pedro de Toledo em Florença, vindo a ser vendida ao senado de Palermo alguns anos depois e, desde 1581, ostenta a sua beleza na Piazza Pretoria. Por causa da nudez das estátuas da fonte, que representam alguns deuses pagões, a fonte também é chamada de “Fontana della Vergogna”. As quatro escadas separam as águas da fonte, fazendo referência aos quatro rios de Palermo: Gabriele, Oreto, Maredolce e Papireto.

Outro destaque da cidade é a Igreja de Santa Maria dell´Ammiraglio, mais conhecida como Igreja della Martorana. Construída em 1143 por Giorgio d´Antiochia em estilo árabe, ostenta magníficos mosaicos bizantinos, considerados os mais antigos da Sicília. Já a Catedral de Palermo reúne os estilos gótico, barroco e árabe, em uma harmonia impressionante. Na sala do tesouro é possível admirar a tiara de ouro da Rainha Costanza d´Aragona, dentre outros objetos preciosos.

Entre uma visita e outra, vale a pena fazer uma pausa para um cafézinho acompanhado dos maravilhosos doces sicilianos… Ah, que delícia!!! Agora, para fechar com chave de ouro o tour por Palermo, visita ao Palazzo Normanni! A fortificação construída no séc. IX pelos árabes e ampliada pelos normanos, se transformou em residência do vice-rei no século XVI, por isso também é conhecido como Palazzo Reale. Dentro das dependências do palácio foi construída a Cappella Palatina, que ostenta uma impressionante decoração com mosaicos bizantinos e é considerada uma das igrejas mais bonitas da Sicília.

A mala chegou, a insegurança passou e eu já estava pronta para desbravar outras partes da Sicília… Próxima parada: Vale dos Templos na cidade de Agrigento! Embora seja pouco conhecido dos brasileiros, o Vale dos Templos é um  dos maiores patrimônios arqueológicos do Mediterrâneo. Declarado Patrimônio Mundial da Humanidade pela UNESCO em 1997, o parque arqueológico de 1.300 hectares reúne resquícios da ocupação grega na Sicília, pois ali foi construída a antiga cidade grega de Akragas, fundada em 582 a.C. e uma das principais colônias gregas na Sicília. Durante a guerra púnica, Akragas foi base dos cartagineses contra os romanos, tendo sido conquistada por estes últimos em 210 a.C., dando o novo nome à cidade de Agrigentum. Logo na entrada do parque os visitantes se maravilham com a bem conservada Acrópole. Outros tantos templos gregos fazem com que o visitante se confunda e pense estar na Grécia e não mais na Itália, pois a herança grega é realmente impressionante!

De Agrigento sigo para Catania, uma das maiores e mais animadas cidades italianas. Ali fui acolhida por um grupo de amigos e em poucas horas já me sentia em casa. O conteúdo dos copos variavam entre o dourado da cerveja e o bordô do vinho siciliano, assim como o local, que ia dos bares às praças da cidade, das praças a casa de algum membro do grupo e assim por diante. Aprendi algumas palavras do dialeto siciliano e as esqueci alguns minutos depois, mas poucas vezes na vida fiz tantos amigos em tão pouco tempo como em Catania. A animação e receptividade dos cataneses é única!  

A cidade natal do compositor Massimo Bellini deu seu nome ao belo teatro de ópera, inaugurado em 1890 e palco de grandes nomes da música lírica, como Callas e Pavarotti. Para quem não puder ver uma apresentação, vale a pena fazer uma visita guiada pelo teatro para ver o seu rico interior.

O monumento mais importante da cidade é o Castello Ursino, fundado no século XIII por Federico II como o mais complexo sistema defensivo da costa siciliana. A antiga residência real e, posteriormente, sede do parlamento, hoje abriga as obras do Museu Cívico da cidade. A poucos passos da Prefeitura está localizada a Catedral de Sant´Agata, o Duomo de Catania, erguida no século XI em homenagem à padroeira da cidade. Entre os dias 3 e 5 de fevereiro são realizadas as festas em homanagem à Santa, o único período do ano em que é aberto para visitação do público o “Tesoro di Sant´Agata” guardado no interior da igreja. Durante a procissão anual realizada no dia 3 de fevereiro de cada ano, o Prefeito é conduzido do Palazzo degli Elefanti (sede da Prefeitura) para a igreja com uma charrete de 1700, usada somente para as comemorações de Sant´Agata.

De todos os monumentos de Catania, o mais imponente é uma obra da natureza. O Etna é o vulcão ativo mais alto da Europa, atingindo uma altitude de cerca de 3340 metros e uma extensão de 1190 km2. Não por acaso a UNESCO declarou o Monte Etna como Patrimônio da Humanidade em 2013! Embora seja um dos vulcões mais ativos do mundo, o Etna não oferece riscos à população, pois suas erupções frequentes não avançam às cidades próximas e são regularmente monitoradas. Um passeio imperdível para quem visita a cidade de Catania é fazer uma excursão ao Etna, pois pode-se chegar ao cume do vulcão com um teleférico e de lá avistar as mais lindas paisagens da Sicília. Durante a estação de inverno, o Etna oferece aos seus visitantes a experiência única de apreciar neve, lava vulcânica e mar no mesmo cenário. O contraste rende uma beleza inigualável ao local!

A apenas uma hora de distância de Catania, se chega a Siracusa, a quarta maior cidade da Sicília. Durante a ocupação grega, Siracusa foi uma das polis mais importantes do mundo grego, cuja herança arquitetônica contribuiu para que a cidade fosse declarada pela UNESCO como Patrimônio Mundial da Humanidade em 2005. O Teatro Greco é uma das joias arquitetônicas deixadas pelos gregos. Localizado no Parque Arqueológico de Neapolis, ainda hoje é palco de apresentações clássicas de tragédias e comédias gregas, sendo os espetáculos organizados pelo Instituto Nacional de Drama Antigo (INDA).

A Ilha de Ortigia é a parte mais antiga de Siracusa e constitui o coração da cidade. É ali que está localizado um dos mais importantes monumentos de Siracusa, o Castello Maniace, que durante a sua história serviu como fortaleza para a defesa do Porto Grande, residência real e prisão. Anualmente o castelo sedia espetáculos de teatro, dança e música durante o Ortigia Festival, um dos festivais mais importantes da Sicília. É também em Ortigia que está o Templo de Apolo. Construído no séc. VI a.C. é considerado o templo mais antigo de toda a Sicília. Vale a pena também visitar o Duomo, que foi construído originalmente no séc. V a.C. como o Templo de Atenas e posteriormente foi transformado em uma basílica cristã, vindo a sofrer várias alterações arquitetônicas ao longo de sua história, mas sempre mantendo as colunas do antigo templo.  

Ocupada por gregos, romanos, bizantinos, árabes e espanhóis, Siracusa é rica em história. Percorrer a parte antiga da cidade e o Parque Arqueológico de Neapolis significa viajar no tempo, voltando a uma vida de mais de 2.600 anos atrás. Mas como se não bastasse a riqueza de sua arte e história, Siracusa ainda nos brinda com o seu mar de água cristalina, onde eleger a praia mais bonita se torna uma tarefa impossível.

Como uma criança que deixa a parte do recheio do biscoito para comer por último, fiz da pequena Taormina a minha última parada na Sicília. A pequena cidade de 11.000 habitantes e localizada a 206 metros do nível do mar, é uma pequena grande joia da região. A estrada que leva ao centro da cidade é sinuosa, mas já proporciona belas vistas do local. Assim que cheguei ao centrinho de Taormina me encantei com tanta beleza. Lojas, cafés e restaurantes fazem do pequeno centro uma área cheia de vida, seja durante o dia ou durante a noite. Caminhar por Taormina é se deparar aqui e ali com belezas arquitetônicas de imenso valor, como o Palazzo Corvaja, o Duomo, o Palazzo di Santo Stefano e os jardins da Villa Comunale.

Do centro de Taormina parte o teleférico que conecta em poucos minutos o centro à Praia de Mazzarò e Isola Bella. Porém, preferi e sugiro fazer o percurso de descida a pé, pois só assim é possível vislumbrar os melhores ângulos da imensa beleza local. A praia de Mazzarò é uma das mais belas da Sicília. Como é de pedra, os visitantes devem usar uma sapatilha própria para não machucar os pés, mas o mar é de um azul estonteante! A Isola Bella com seu 1 Km2 é um tesouro da região. Declarada em 1984 como bem de relevante interesse histórico-artístico, serviu de inspiração para grandes poetas como Goethe e Byron.

Retornando a Taormina, dediquei o fim de tarde para visitar o Teatro Greco. O teatro construído pelos gregos no séc. III a.C. é o maior monumento de Taormina e o segundo maior teatro de toda a Sicília, logo após o teatro de Siracusa. Graças a uma arcústica perfeita, o teatro continua sendo palco de grandes atrações artísticas, sobretudo durante o verão, tendo já recebido grandes nomes da música como Simply Red, Eurythmics, Andrea Bocelli e tantos outros. Localizado na parte mais alta da cidade, o teatro presenteia seus visitantes com uma vista espetacular da costa calabra e da costa ionica siciliana, com o Etna ao fundo. Sentada no alto do teatro de Taormina aprecio o lento pôr do sol no mar de Mazzorò e assim me despeço da Sícilia… Um lugar de rica história, boa culinária e habitado por um povo simples e gentil!