Especial Coronavírus Itália – SuoViaggio Edição n. 31
Zélia Rodrigues - PublisherRevistas Publicadas Europa, Itália, Revistas 2020
Especial Coronavírus Itália
Começamos o ano de 2020 com tantas ideias, tantos novos projetos, tantas viagens programadas para poder transmitir a vocês as maravilhas de novos destinos, mas de repente, o mundo todo mudou. Nada mais do que se imaginou fazia sentido. Os países começaram a fechar as suas fronteiras, milhares de voos foram cancelados, hoteis se esvaziaram e fecharam, cidades ficaram desertas.
O Covid-19, o novo coronavírus, saiu de um mercado de animais silvestres da cidade de Wuhan, na província chinesa de Hubei, para ganhar o mundo. A epidemia, que em pouco tempo se tornou pandemia, atingiu todos os continentes do globo, todos os países em maior ou menor intensidade foram atingidos. Milhares de vidas foram ceifadas e tantas outras lutaram e ainda lutam pela sobrevivência. Quem diria que algo microscópico seria capaz de colocar o mundo inteiro de joelhos?
Em meio à produção dessa edição de SuoViaggio nos deparamos com uma situação tão catastrófica que a pauta perdeu o seu sentido, então decidimos alterá-la para dividir com você a nossa singela homenagem à Itália, um dos países mais atingidos pelo Covid-19 e o nosso berço na Europa.
A Itália continua bela e estará a nossa espera quando a tempestade do Covid-19 finalmente tiver passado!
Especial Coronavírus
ItáliaPor Zélia Rodrigues
Vivemos tempos difíceis. O mundo está de cabeça para baixo por causa da pandemia do coronavírus. Eu mesma escrevo essas linhas enquanto inicio a minha segunda quarentena. A primeira quarentena foi quando o meu marido voltou da Lombardia, a região mais afetada pelo coronavírus na Itália e, preventivamente, decidimos por conta própria nos isolarmos até que tivéssemos certeza de não sermos portadores do vírus. Hoje começamos a segunda quarentena, decretada no Estado de São Paulo para conter o avanço do vírus. Felizmente ambas as quarentenas são preventivas.
O novo coronavírus (Covid-19) que começou na China, tomou conta da Ásia e se instalou fortemente na Europa. Mas o vírus que não conhece fronteiras, logo foi se espalhando pela Oceania, África e Américas, dando uma verdadeira volta ao mundo. Milhares de viagens foram canceladas, com sérias consequências para toda a rede do turismo, especialmente companhias aereas, hoteis e agências de turismo. Enquanto a pandemia do Covid-19 coloca o mundo de joelhos e leva ao colapso os sistemas sanitários de todos os países afetados, o mais importante é prevenir o avanço desse mal colaborando com as medidas restritivas para salvar vidas.
No momento em que o mundo está se fechando e as pessoas se isolando, decidimos alterar a nossa pauta para fazer uma singela homenagem à Itália, o país que já contabiliza o maior número de óbitos por causa ou consequências do novo coronavírus. Forza Bella Italia!!!
Lombardia
Sede do maior polo industrial da Itália e centro financeiro do país, a Lombardia é muito mais do que isso. Milão que ostenta o charme da capital internacional da moda. Monza, a sede do circuito mais veloz da Fórmula 1. Cremona com o lirismo da música clássica. Bergamo e Brescia com seus tesouros arqueológicos de valor inestimável. As muitas montanhas e vales de beleza ímpar. E o que dizer dos lagos? Lago Maggiore, Lago di Como, Lago di Garda, Lago d´Iseo e suas paisagens de perder o fôlego!
Veneto
Como não se apaixonar pelo Vêneto? Veneza e seus pequenos canais. Verona com a atmosfera romântica do romance Romeu e Julieta. A arquitetura de Vincenza. A religiosidade de Pádua. Cortina d´Ampezzo e Belluno com a singularidade das Dolomitas. E o que dizer da belas villas do Canal de Brenta? Impossível conhecer e não se apaixonar.
Piemonte
Berço da Fiat, a capital Torino é sede do maior museu automobilístico do país.
Valle d´Aosta – Trentino Alto-Adige – Friuli Venezia Giulia
Os pequenos territórios de Valle d´Aosta, de Trentino Alto-Adige e de Friuli Venezia Giulia localizados no extremo norte do país também têm os seus encantos, com paisagens naturais dignas de cartão-postal e suas muitas pistas de esportes de inverno.
Diário de um italiano
Uma história realOlá leitores de SuoViaggio! Para quem não me conhece sou o Alberto, marido da Zélia, editora da revista. Sou italiano originário de Brescia, na Lombardia, mas já há alguns anos me transferi para São Paulo. Por causa do meu trabalho, ligado ao turismo e a eventos, viajo frequentemente para a Europa, especialmente para a Itália. Quando desembarquei em Milão pela última vez, no último 15 de janeiro, o Covid-19 ainda era um vírus pouco conhecido e distante de nosso dia a dia. As primeiras semanas que passei em Brescia, minha cidade natal, transcorreram de forma normal, dividindo o meu tempo entre trabalho e encontros com familiares e amigos, embora já recebêssemos as notícias vindas da China sobre a epidemia do Covid-19.
Dia após dia o novo Coronavírus ocupava sempre mais espaço nos noticiários, por causa dos efeitos adversos que estava gerando na China. Infelizmente, não era mais possível evitar de afrontar a situação em nível médico e político, então, por volta de 20 de fevereiro, com a situação na China já bastante crítica, tanto médicos quanto políticos vieram a público para afirmar que não era necessário se preocupar com a epidemia porque ela não chegaria até a Itália. Porém, minha esposa começava a se mostrar bastante preocupada com a situação e pedia para que eu antecipasse o retorno para São Paulo, mas tentei tranquilizá-la dizendo que estava atento a tudo e todos.
Em 21 de fevereiro foi revelado o primeiro contágio na Itália, na pequena cidade de Codogno, localizada ao sul de Milão e relativamente distante de Brescia. Enquanto os médicos tentavam entender como ocorreu o contágio, os políticos se perdiam em discussões inúteis e continuavam a afirmar para a população de que a situação estava sob controle. Mas não era verdade! A primeira ação restritiva foi o isolamento físico da cidade de Codogno, que se encontrou cercada por militares e com todas as suas vias de acesso bloqueadas. Enquanto isso, no interior da cidade isolada, os contágios aumentavam e não tardaram a ocorrer os primeiros óbitos por causa do Covid-19. Naquele momento, o vírus já estava se difundindo a grande velocidade e ninguém sabia dizer onde e quando aconteceria o próximo contágio.
Estávamos no fim de fevereiro e, durante a madrugada, o Primeiro Ministro anunciara o fechamento de todas as escolas e de algumas atividades comerciais até 08 de março. Em contato frequente com a minha esposa, a vejo sempre mais preocupada com a minha incolumidade, já que sou diabético e hipertenso, mas eu insisto em continuar em Brescia. O meu voo de retorno a São Paulo estava programado para o dia 16 de março, tempo ainda necessário para que eu concluísse o trabalho programado na Itália.
No dia 03 de março o contágio já era bastante difuso e, com isso, também havia aumentado o número de óbitos. Aparentemente, Brescia estava em condição de segurança, mas tendo um dos maiores e mais eficientes hospitais da Itália, se ofereceu para receber os infectados pelo Covid-19 para tratamento. No dia seguinte, minha esposa insiste mais um vez para que eu antecipasse o retorno para São Paulo, mas desta vez decidi escutá-la e antecipei o meu voo para o domingo seguinte, 8 de março, assim teria tempo hábil para concluir minhas atividades no escritório e me despedir da minha família, especialmente da minha mãe que já está com 84 anos de idade. Porém, decido finalizar o meu trabalho já em auto isolamento, para reduzir o risco de contágio poucos dias antes da minha viagem.
Na noite de 7 de março vou à casa de meu irmão para me despedir dele e de minha mãe, que lá vive desde que se tornou viúva. Fico sabendo, então, que minha mãe havia sofrido uma queda em casa na noite anterior, que a deixou com o tornozelo fraturado. A dor é intensa e, por causa da idade avançada, a recuperação se torna mais lenta. Considerando o alto risco de contágio, tomou-se a decisão de não levá-la ao Pronto Socorro, decisão esta referendada pela sua médica. Por causa da pandemia que crescia a cada dia, o Hospital de Brescia estava tomado pelos doentes que contraíram o coronavírus. O Pronto Socorro estava atendendo apenas às emergências graves, os pacientes internados por outros motivos tiveram as suas altas antecipadas para liberarem os leitos, as consultas de rotina foram todas canceladas para liberarem os médicos e enfermeiros para o tratamento dos contagiados. Era o início do colapso dos hospitais da Lombardia.
Com alguma experiência em distorções musculares adquiridas na minha juventude de jogador de Rugby, tentava reconfortar a minha mãe acamada, quando então chega o meu irmão com uma notícia terrível, o rascunho de um Decreto o qual determinava o fechamento de toda a região da Lombardia! A partir do dia seguinte a Lombardia seria declarada Zona Vermelha, de modo que ninguém poderia entrar ou sair do território. Tentei manter a calma imaginando que o Governo não fecharia a região que representa cerca de 30% do PIB italiano durante a madrugada de sábado para domingo, sem nenhum aviso prévio para que empresas e trabalhadores se organizassem. As notícias começam a correr e o pânico é instalado na região em poucos minutos. Centenas de pessoas que se encontravam na região por motivo de trabalho e estudo correram para a Estação Central de Trem de Milão para embarcarem nos trens noturnos em direção às suas casas, especialmente no sul do país. Considerando que meu voo para São Paulo partiria de Roma, cheguei a cogitar ir até Verona para pegar o trem noturno em direção à Roma, mas já não tinha mais tempo, com menos de uma hora para a partida do último trem, nem mesmo com uma Ferrari eu conseguiria chegar lá em tempo. Me despeço da família, mas desta vez sem poder dar nem mesmo um abraço ou beijo neles.
Não havendo outra alternativa, volto para o hotel e converso com a minha esposa também chocada e preocupada com possibilidade de que eu restasse bloqueado em Brescia, embora defendesse de que eu poderia ser autorizado a partir por não mais residir lá. Aproveitando-se do fuso horário, ela se mantém atualizada e, às 3 horas da madrugada de sábado para domingo, ela leu a notícia oficial. A Lombardia estava oficialmente fechada! Enquanto eu já me preparava para ir ao aeroporto, recebo a notícia oficial da minha esposa. Porém, com a ressalva de que a proibição de locomoção não se aplicaria a quem estivesse retornando para a própria residência, como era o meu caso. Tento manter a calma e vou para o aeroporto acompanhado pelo meu sobrinho. Cheguei ao aeroporto às 5:15 e estava tudo deserto, como em tantos anos de viagens constantes jamais havia visto. Escolho uma vaga cômoda para descarregar a bagagem e vou pagar o estacionamento, enquanto isso chega um rapaz que comenta como é caro o estacionamento do aeroporto, quando me volto para respondê-lo, absorvido por mil pensamentos, não percebo um maldito cubo de cimento que delimita a área de estacionamento e, tropeçando nele, caio de forma violenta. Graças às pancadas recebidas nos meus tempos de Rugby, a minha cabeça é dura, mas o corte logo acima da sobrancelha sangra tanto que a expressão do meu sobrinho me convenceu a verificar o estrago, já que eu não sentia nada. Com o amparo de vários lenços me dirijo ao Pronto Socorro do aeroporto, que fica no piso inferior ao que eu me encontrava. O sangue escorria pelas minhas mãos, quando o médico chegou para me examinar. Felizmente não serviriam pontos e a queda não tinha causado nenhum dano cerebral. Mas as boas notícias acabavam por aí. O médico somente poderia me fornecer o certificado médico que atestava as minhas condições de viagem após 4 horas de observação. Eu não tinha 4 horas. Medicado, vou para o embarque, mas a ansiedade não poderia senão ter aumentado. Uma gentil moça controla os meus documentos e me faz embarcar. Aviso a minha esposa e sobrinho e voo para Roma.
Chego em Roma no horário previsto, agora estou fora da Zona Vermelha, que alívio! Na lounge da Alitalia aproveito para tomar o café da manhã e verificar o ferimento que tinha ensanguentado um pouco. Estupidamente, penso que seria melhor trocar o curativo antes do embarque, mas tirando o curativo o ferimento recomeça a sangrar muito. Aflito, tento fazer um curativo decente para conter o sangue, mas me vem de novo a dúvida: “me deixarão embarcar?”. Faço um Face Time rápido com a minha esposa e vou para o portão de embarque, novamente com mil pensamentos pela cabeça. Felizmente, me permitiram embarcar! A viagem foi tranquila, a ferida ainda sangrou um pouco, mas nada de preocupante.
Chego em São Paulo. Permitirão a minha entrada? Quando aterrissamos no Aeroporto de Guarulhos as autoridades nos detiveram no avião para nos informar todas as medidas de prevenção e os sintomas do Covid-19 a observar. Na sequência, todos os passageiros foram liberados e fui retirar a minha bagagem. Ligado no piloto automático, passo no Duty Free para comprar umas bebidas como de costume. Louco!!! O movimento no aeroporto já era bem menos intenso do que de costume. Saio e chamo um Uber, pois havia pedido minha esposa para me aguardar em casa.
Com máscara cobrindo a boca e o nariz e curativo na testa, finalmente chego em casa. Havia pedido para minha esposa manter distância, mas como de costume, ela não me ouviu. Segundo ela, se eu estivesse contagiado sem saber, enfrentaríamos a doença juntos como sempre fizemos em relação a tudo. Não sabia se devia amá-la ou odiá-la por esse gesto, mas precisava mesmo daquele abraço que ela me deu.
Mesmo em casa e ainda com poucos casos em São Paulo, não se podia menosprezar esse silencioso e perigoso inimigo. Embora eu não apresentasse nenhum sintoma do coronavírus, me coloquei em auto isolamento total e minha esposa se limitava a sair de casa para ir ao supermercado e, mesmo assim, sempre protegida com máscara e mantendo distância das pessoas. Apenas minha esposa e minhas estupendas cachorras podiam se aproximar de mim. Estava feliz por estar em casa, mas meus pensamentos continuavam nebulosos ao pensar na parte da minha família que ficou na Itália.
Dia 23 de março, 15 dias passados desde a minha chegada, a quarentena “italiana” chegara ao fim e eu estou bem, sem ter apresentado nenhum sintoma do Covid-19. “Comemoro” a minha liberdade indo ao supermercado com a minha esposa, pois no dia seguinte começaria a quarentena “paulista”, a qual estamos respeitando, pois não se deve correr riscos inutilmente.
E como está a situação em Brescia? Infelizmente mal. Os números de contágio e mortes aumentaram muito na Lombardia desde a minha partida, só agora a curva parece descer, ainda que lentamente. A minha cidade foi terrivelmente ferida, junto com a sua vizinha Bergamo, com os maiores números de óbitos da Itália. A minha família continua isolada, mas felizmente estão todos bem. Mas, ainda no final de março, recebi a triste notícia da morte de um antigo amigo da época de escola. Com pouco mais de 50 anos ele não resistiu aos efeitos desse vírus terrível, deixando a esposa e quatro filhos. O irmão de um outro amigo ainda está lutando contra a doença em uma unidade de terapia intensiva. O contágio já estava em curso quando a decisão de isolamento social foi tomada e, com a progressividade das medidas, o vírus foi ganhando mais terreno, ou melhor, se instalando em mais e mais corpos. A lentidão em tomar a decisão de isolamento colocou a cidade de joelhos. Talvez algumas – ou muitas – vidas pudessem ter sido salvas se o sistema sanitário da Lombardia não tivesse entrado em colapso, com falta de leitos e de respiradores.
Mas mantenho minhas forças e minha fé, acreditando que a Itália voltará a brilhar com todo o seu esplendor, voltará a ser a Bella Italia com todas as suas maravilhas naturais, arquitetônicas, históricas, artísticas e culturais. Voltaremos a comer as deliciosas receitas italianas, inclusive as suas pizzas fantásticas. Voltaremos a passear pelas ruas e pelos parques hoje desertos, voltaremos a aproveitar o mar mediterrâneo com toda a sua beleza.
Minha Itália, te observo de longe, nos separam 10.000 quilômetros, mas me sinto ao seu lado.
Brasil, te agradeço por ter me recebido com os braços abertos, enquanto o resto da Europa nos desejava bem distantes. Brasil, te respeito e, por isso, segui e continuo seguindo todas as recomendações sanitárias com seriedade. Acredito que, assim como a Itália, o Brasil conseguirá superar esse pesadelo e espero que o faça sem chorar a morte de tantos filhos como a Itália.
Caros amigos brasileiros, cuidem-se! Cuidem de vocês e desse maravilhoso país, pois em breve poderemos voltar a aproveitar todos os encantos que os nossos países nos oferecem.